27 de maio

Juro, meu amigo, que, ao me sentir agitado, todo o tumulto se abranda quando vejo uma criatura assim, que percorre, numa feliz tranqüilidade, a sua limitada existência, e vai se arranjando dia após dia, vendo cair as folhas, sem que isso lhe diga coisa alguma, a não ser que o inverno está chegando.

Não me censure se confesso que, à lembrança dessa inocência e dessa candura, queima-me um secreto ardor; a imagem dessa fidelidade e dessa ternura me persegue por toda parte; e eu, ardendo, por assim dizer, nesse mesmo fogo, sinto-me carente e consumido.

Farei o possível para vê-la o quanto antes; ou, pensando bem melhor, devo evitá-la. É preferível vê-la através dos olhos de seu apaixonado: talvez os meus não a vejam tal como ela agora se apresenta em minha mente. Por que, então, macular tão bela imagem?



OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

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aos (im)possíveis leitores

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

sobre mim...

“Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares? Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto. O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomar-me-iam por uma aberração?”

Clarice Lispector