É comum dizer-se que a vida do homem não passa de um sonho, e esse sentimento me acompanha sempre. Quando observo os estreitos limites em que se acham encerradas as faculdades ativas e intelectuais do homem; quando vejo que o objetivo de todos os nossos esforços é prover necessidades que por si mesmas não tem outro fim senão prolongar nossa miserável existência, e que por conseqüência toda a nossa tranqüilidade, em certos pontos de nossas buscas, não passa de uma resignação sonhadora, que gozamos pintando de figuras variadas e perspectivas luminosas as quatro paredes que nos fazem prisioneiros: tudo isso, meu amigo, me reduz ao silêncio. Olho para dentro de mim mesmo e vejo um mundo; porém, um mundo muito mais de pressentimentos e vagos desejos do que de realidades e forças vivas. Então tudo me flutua ante os olhos, e continuo sorrindo e sonhando em minha jornada através do mundo.
Confesso-lhe com tranqüilidade (pois sei o que você me responderia) que são mais felizes aqueles que, como as crianças, vivem despreocupadamente o cotidiano, levam suas bonecas para passear, vestem-nas, despem-nas; rondam, com um respeito enorme, o armário onde a mamãe trancou os doces e, quando conseguem a guloseima cobiçada, engolem-na avidamente, gritando: “Mais!...” São criaturas felizes. E também são felizes os que dão nomes pomposos às suas ocupações frívolas, ou mesmo às suas paixões, e consideram-nas como obras de gigantes, empreendidas para a salvação e a prosperidade da sociedade humana. Bem aventurados os que podem viver assim! Mas quem reconhece com humildade para onde as coisas se conduzem, observa também como todo burguês feliz sabe transformar seu pequeno jardim num paraíso; e vê com que ardor também o miserável prossegue em sua rota, suportando o peso do fardo, pois todos, em suma, aspiram igualmente a desfrutar, um minuto mais, a luz do sol _ quem observa tudo isso resta tranqüilo e também feliz, porque compartilha a existência humana. E, por mais limitados os seus poderes, traz sempre no coração o doce sentimento da liberdade, e sabe que poderá deixar este cárcere quando quiser.
OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHERJohann Wolfgang von Goethe
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