obstáculo



O maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma.
Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho.
É com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma.



Clarice Lispector - Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres

inteira




E se antes, bem antes, um pedaço de maçã
Hoje quero a fruta inteira...



De ontem em diante - Teatro Mágico

equilíbrio




Eu sou feita de tão pouca coisa
e meu equilíbrio é tão frágil,
que eu preciso de um excesso de segurança
para me sentir mais ou menos segura.


Clarice Lispector

vida




A vida é muito bonita,
basta um beijo
e a delicada engrenagem movimenta-se,
uma necessidade cósmica nos protege.


Adélia Prado - O Pelicano

16 de junho

Tanta simplicidade aliada a tamanha inteligência, tanta bondade aliada a tamanha firmeza, e a paz de espírito orientando-lhe a vida e as atividades.

Eu descobria um sentido notável em tudo o que ela dizia; a cada palavra via brilhar novos encantos, novos lampejos de inteligência em seu rosto, que pouco a pouco parecia desabrochar em contentamento, porque ela sentia que eu a compreendia.

O autor que prefiro é aquele no qual se encontra o mundo em que vivo, em cujos livros as coisas se passam como em volta de mim, e cuja narração me prende e me interessa tanto quanto minha vida doméstica que, se não é nenhum paraíso, representa para mim uma fonte de inexprimível felicidade.

Ela se entrega aos movimentos com todo o coração e toda a alma: há em seu corpo tal harmonia, tal descontração, como se a dança fosse tudo para ela, como se não houvesse outro pensamento; e, neste instante, estou seguro de que tudo em seu mundo havia se dissipado.

Quando um acidente ou um susto nos surpreende no meio do prazer, é natural que as impressões produzidas sobre nós se manifestem mais fortes do que de costume,seja pelo inusitado que se faz sentir vivamente, seja, mais ainda, porque os nossos sentidos, uma vez abertos às emoções, recebem uma impressão mais intensa.

Enquanto eu puder ver esses olhos abertos – respondi, olhando-a intensamente -, não corro o risco de adormecer.



OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

27 de maio

Juro, meu amigo, que, ao me sentir agitado, todo o tumulto se abranda quando vejo uma criatura assim, que percorre, numa feliz tranqüilidade, a sua limitada existência, e vai se arranjando dia após dia, vendo cair as folhas, sem que isso lhe diga coisa alguma, a não ser que o inverno está chegando.

Não me censure se confesso que, à lembrança dessa inocência e dessa candura, queima-me um secreto ardor; a imagem dessa fidelidade e dessa ternura me persegue por toda parte; e eu, ardendo, por assim dizer, nesse mesmo fogo, sinto-me carente e consumido.

Farei o possível para vê-la o quanto antes; ou, pensando bem melhor, devo evitá-la. É preferível vê-la através dos olhos de seu apaixonado: talvez os meus não a vejam tal como ela agora se apresenta em minha mente. Por que, então, macular tão bela imagem?



OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

26 de maio

Pode-se dizer muitas coisas em favor das regras, mais ou menos o que se pode dizer em louvor da sociedade burguesa. Um homem que se forma de acordo com as regras jamais produzirá algo absurdo ou mau, como o que se guia pelas leis e pela moralidade nunca pode se tornar um vizinho insuportável ou um malfeitor; mas também, por mais que se diga, toda regra sufoca o verdadeiro sentimento e a verdadeira expressão da natureza.



OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

22 de maio

É comum dizer-se que a vida do homem não passa de um sonho, e esse sentimento me acompanha sempre. Quando observo os estreitos limites em que se acham encerradas as faculdades ativas e intelectuais do homem; quando vejo que o objetivo de todos os nossos esforços é prover necessidades que por si mesmas não tem outro fim senão prolongar nossa miserável existência, e que por conseqüência toda a nossa tranqüilidade, em certos pontos de nossas buscas, não passa de uma resignação sonhadora, que gozamos pintando de figuras variadas e perspectivas luminosas as quatro paredes que nos fazem prisioneiros: tudo isso, meu amigo, me reduz ao silêncio. Olho para dentro de mim mesmo e vejo um mundo; porém, um mundo muito mais de pressentimentos e vagos desejos do que de realidades e forças vivas. Então tudo me flutua ante os olhos, e continuo sorrindo e sonhando em minha jornada através do mundo.

Confesso-lhe com tranqüilidade (pois sei o que você me responderia) que são mais felizes aqueles que, como as crianças, vivem despreocupadamente o cotidiano, levam suas bonecas para passear, vestem-nas, despem-nas; rondam, com um respeito enorme, o armário onde a mamãe trancou os doces e, quando conseguem a guloseima cobiçada, engolem-na avidamente, gritando: “Mais!...” São criaturas felizes. E também são felizes os que dão nomes pomposos às suas ocupações frívolas, ou mesmo às suas paixões, e consideram-nas como obras de gigantes, empreendidas para a salvação e a prosperidade da sociedade humana. Bem aventurados os que podem viver assim! Mas quem reconhece com humildade para onde as coisas se conduzem, observa também como todo burguês feliz sabe transformar seu pequeno jardim num paraíso; e vê com que ardor também o miserável prossegue em sua rota, suportando o peso do fardo, pois todos, em suma, aspiram igualmente a desfrutar, um minuto mais, a luz do sol _ quem observa tudo isso resta tranqüilo e também feliz, porque compartilha a existência humana. E, por mais limitados os seus poderes, traz sempre no coração o doce sentimento da liberdade, e sabe que poderá deixar este cárcere quando quiser.


OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

17 de maio

Conheci muitas pessoas, mas ainda não encontrei nenhuma companhia.

Se me perguntar como é a gente daqui, direi: como a de todo lugar. Coisa bem uniforme, a espécie humana. A maior parte gasta grande parte do seu tempo trabalhando para viver, e o pouco que lhe resta pesa-lhe de tal modo que procura todos os meios para desfazer-se desse tempo livre. Oh, destino dos homens!

Mas é gente muito boa! Se alguma vez me esqueço de mim, se alguma vez experimento com eles os raros prazeres que ainda são concedidos aos homens, como conversar animadamente, com franqueza e cordialidade, em torno de uma mesa bem servida; combinar um passeio, um baile de última hora ou qualquer outra diversão agradável, isso produz em mim um efeito excelente, contanto que não me ponha a cismar que em meu ser existem muitas outras faculdades que podem se enfraquecer por falta de uso, e que devo ocultar cuidadosamente! Ah! Isso constrange o coração... E, no entanto ser incompreendido é o destino de muitos de nós.

Eu deveria dizer: “Você é um insensato; procura o que não pode encontrar nesse mundo”.

 
OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

aos (im)possíveis leitores

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

sobre mim...

“Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares? Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto. O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomar-me-iam por uma aberração?”

Clarice Lispector