15 de maio


As pessoas simples deste lugar já me conhecem e gostam de mim, particularmente as crianças. Mas tive uma triste constatação.
As pessoas de alta posição social conservam habitualmente uma fria distância da gente do povo, como se julgassem perder algo caso dela se aproximassem; e depois há os levianos e maldosos, que fingem descer até os humildes para, com isso, melhor feri-los.
Bem sei que não somos iguais, nem o poderíamos ser; mas acho que todo aquele que julga ser necessário afastar-se do que chamamos de povo para fazer-se respeitar é tão censurável quanto o covarde que se esconde do inimigo por medo de ser derrotado.




OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

13 de maio


Não há nada mais desigual e volúvel que meu coração.
Também, trato meu pobre coração como se fosse uma criança doente: dou-lhe tudo o que pede. Ma não diga a ninguém: há pessoas que não me compreenderiam.


OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

12 de maio


Não sei se espíritos enganadores pairam sobre este lugar, ou se é no meu coração que está a ardente e celeste fantasia que fornece uma atmosfera de paraíso a tudo o que me rodeia.
Nesse lugar vejo freqüentemente renascerem os costumes patriarcais; como outrora, vejo os homens virem conhecer, junto à fonte, as mulheres que serão suas esposas e, por sobre a água que cai, flutuarem os espíritos benfazejos. Apenas quem nunca desfrutou o frescor de uma fonte, após fatigar-se duramente sob um sol de verão, seria incapaz de sentir tudo isso.


OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

10 de maio


Uma serenidade maravilhosa apoderou-se de todo o meu ser, semelhante às doces manhãs de primavera que venho saboreando intensamente. Estou sozinho, e felicito-me por viver neste lugar, feito para almas como a minha.
Meu amigo, se o dia começa a raiar à minha volta, se o mundo que me cerca e o céu inteiro descansam no meu peito como a imagem de uma bem-amada, então suspiro e digo para mim mesmo: “Ah! Caso pudesse se exprimir, caso pudesse passar para o papel o que em você sente viver com tanto ardor e tamanha abundância, de forma que ali estivesse o espelho de sua alma, como sua alma é o espelho de Deus infinito!...” Ah, meu amigo... Mas me sufoco, esmoreço diante da magnitude dessas visões.





OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe

4 de maio de 1771


Sinto-me feliz por ter partido! O coração do homem, meu caro amigo, é um mistério indecifrável! Deixá-lo, uma pessoa a quem tanto estimo e de quem era inseparável, e mesmo assim estar feliz! Sei que me perdoa. Porém, todas as minhas outras relações não teriam sido escolhidas aleatoriamente pelo destino para torturar um coração como o meu?
Oh! Mas o que é o homem, sempre a lamentar-se de si mesmo? Quero corrigir-me, caro amigo, e prometo que o farei; não quero mais, como tenho feito até agora, remoer os males que o destino nos reserva; quero gozar o presente, e considerar o passado apenas passado. Sem dúvida, você tem razão, meu bom amigo: nesse mundo haveria menos sofrimento se os homens (só Deus sabe por que eles são assim!) não se ocupassem, com tanta imaginação, em fazer voltar a lembrança das dores passadas, em vez de suportar um presente tolerável.
A propósito, sinto-me muito bem aqui. A solidão é para minha alma um bálsamo precioso nesse paraíso terrestre, e esta primavera me aquece o coração em todo o seu ardor, esse meu coração que freqüentemente estremece de frio. Cada árvore, cada arbusto é um ramalhete de flores, e eu gostaria de me transformar numa abelha para esvoaçar nesta atmosfera perfumada, e dela tirar todo alimento.





OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Johann Wolfgang von Goethe




aos (im)possíveis leitores

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

sobre mim...

“Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares? Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto. O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomar-me-iam por uma aberração?”

Clarice Lispector