olho as minhas mãos



Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...
Fechá-las, de repente,
Os dedos como pétalas carnívoras !
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento
Como tecem as teias as aranhas.
A que mundo
Pertenço ?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo, diz: "existo".
Porque apenas existem...
Enquanto isto,
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses
E, cheios de esperança e medo,
Oficiamos rituais, inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e dispersa no ar...
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar
Foi este o fim da Criação !
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos ?
Quem faz - em mim - esta interrogação ?


Olho as Minhas Mãos - Mário Quintana

2 comentários:

ROGÉRIO L. CARDOSO 26 março, 2007 20:42  

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

(Fernando Pessoa)

ROGÉRIO L. CARDOSO 29 março, 2007 00:17  

Silêncio


A vida barulhenta
é trocada pela voz de seu coração.
Quando as palavras se calam no seu interior,
você experimenta a sensação do divino.
As noites agitadas de quem não quer perder nada
são substituídas por encontros mais tranqüilos
dentro de sua alma.

Viver o silêncio de seu ser
consiste em esvaziar seu coração todos os desejos, pensamentos, fantasias,
tudo o que você guardou dentro de si,
e deixar um espaço para sua alma
se expressar sutilmente.

Entender palavras é muito fácil,
mas você experimentará o perfume da vida
quando compreender os milagres que acontecem
quando um olhar encontra silenciosamente
o olhar de outra pessoa.

Você conhece a verdadeira amizade
quando as palavras não são necessárias
e consegue perceber a beleza
da lua encontrando o sol.

Seu interior tem muito mais a dizer do que todo
o noticiário dos jornais.
Seu ser tem mais força do que todas as imagens das novelas.
Quando acontece o silencio, você não tem
mais nada para provar.

Roberto Shinyashiki

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aos (im)possíveis leitores

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

sobre mim...

“Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares? Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto. O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomar-me-iam por uma aberração?”

Clarice Lispector