poema de natal



Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Poema de Natal - Vinicius de Moraes




Desejo-lhes um natal inesquecível e um ano novo repleto de realizações!
Que vocês sejam imensamente felizes pois... "para isso fomos feitos"...

Milhões de beijos!




lucidez perigosa

Tela de Edward Hopper

Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.


Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.
Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
- já me aconteceu antes.


Pois sei que
- em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade -
essa clareza de realidade
é um risco.


Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve
para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.


A lucidez perigosa - Clarice Lispector






Hoje, exatamente assim...




imensamente grata


A amizade sobreleva o contato físico ultrapassando fronteiras, distâncias, chega ao seu destino... Incrível esse poder que temos de nos fazer presentes aqui, as palavras são as ferramentas que nos possibilitam isso, levam e trazem amor, compreensão, apóio, carinho, afeto! Ah! Como é bom nos sentir lembrados, queridos, amados... Saber que nossa “ausência” é sentida quando prolongada e que nossa “presença” é motivo de alegria!
Palavras, são elas eternas viajantes do espaço e tempo que lhe são indiferentes, mas que se tornam fundamentais quando penetram “nosso” espaço e tempo! As palavras ficam, as pessoas se vão. Mas, eis aí a mágica união do eterno com o efêmero! São mãos humanas que alinham letras e tecem colchas (textos) com as quais cobrimos momentos, sentimentos, nos aquecendo com os fios de carinho de que são feitas!
Mãos humanas de todas as formas, de tantos lugares, mãos que acolhem, seguram, protegem, acarinham, mãos que se dão, palavras que se formam, destinos que se cruzam, amizade que nasce, alegria que brota...
No dia em que completava e contemplava mais uma primavera, palavras assim, carregadas de carinho, me beijaram a face fazendo-me feliz e grata pela existência das pessoas que as lançaram no espaço para viajarem até mim. Algumas, creio, se perderam, ou nem chegaram a embarcar mas, entendo, isso também me acontece, são tantas as correrias dessa vida...
Carrego a certeza de que um dia de neblina não oculta nem apaga o brilho do sol, que sempre prevaleceu!
Poemas, recados, mensagens, ligações, cartões, cds, palavras, gestos, silêncios, carinho... obrigada de coração!

Agradeço por participarem da minha vida fazendo-a melhor e mais feliz!
E, como diz nosso querido Milton Nascimento

“Amigo é coisa pra se guardar do lado esquerdo do peito”

saibam que é aqui, “dentro do coração”, que vocês estão sempre presentes em mim!


Beijos e abraços!

(ao dia 02/12)

poema olhando um muro



Do
escuro do meu quarto
- imóvel como um felino, espio
a lagartixa imóvel sobre o muro: mal sabe ela
da sua presença ornamental, daquele
verde
intenso
na lividez mortal
da pedra... ah, nem sei eu também o que procuro, há tanto...
nesta minha eterna espreita!
Pertenço acaso à raça dos mutantes?
Ou
sou, talvez
- em meio às espantosas aparências de algum mundo estranho -
um espião que houvesse esquecido seu código, a sua sigla, tudo...
- menos
a gravidade da sua missão!


Poema Olhando um Muro - Mário Quintana


aos (im)possíveis leitores

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

sobre mim...

“Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares? Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto. O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomar-me-iam por uma aberração?”

Clarice Lispector