um homem na estrada



Ponho uma estrada neste papel.
Uma estrada como qualquer outra
que entra pela linha do horizonte
e liga o mundo na sua inocência.
Nela, ponho um homem.
Como é exemplar o trabalho do poeta
que faz uma estrada e faz caminhar nela
um pobre ser humano!

Eu o vejo de todos os ângulos.
Olho-o pelas costas e o reconheço digno,
cada vez mais pequeno
sumindo ao longe.
De frente, vejo-o, aproxima-se de mim,
vem alegre e predisposto
à fraternidade.

Pelas margens direita ou esquerda
estou atento; se noto o ridículo
escondo de mim mesmo
e dele.
Não levo rancor
e nem misericórdia.
Estou pronto ao abraço.

O papel é como
a terra. Para que
explicar mais?
Vem o poeta
pega o vento
aterra-o no
papel e a água
solidária escorre
no veio branco
e explode em amor.
Caminho que leva
até o horizonte.
É o que faz belo
o poema, o círculo
do horizonte.
É um vale que
é nossa vida,
circunavegação
de paisagens,
cavalinhos, aeroplanos,
navios,
um homem sozinho
indo pela estrada.

Homem sozinho na estrada.
De longe vem vindo, de longe apagadamente
seu vulto como um estrela sem brilho
e à sua aproximação a estrada
se dilata e trepida
como uma nave em vôo
e ainda tudo é grotesco
como uma máquina: a terra e os seus sapatos,
a roupa e o seu suor, a poeira e a sua fadiga
e nada aconteceu – nem crime ou heroísmo
ou tudo se ignora,
– era apenas um homem
numa estrada.

A estrada estava cansada e viajou.
Os ventos sumiram.
Só a laranja trabalhava,
dia e noite,
só a laranja viajava na sua fina vida de laranja
no galho cheio de manhã.


Um Homem na Estrada - José Godoy Garcia


Um belo poema de um poeta consagrado lá da minha terra... Goiás!


aos (im)possíveis leitores

"Quem és tu que me lês? És o meu segredo ou sou eu o teu?"
Clarice Lispector

sobre mim...

“Sempre tive a sensação de mal-estar no mundo, uma sensação de não caber no meu espaço, um desconforto diante de meus pares – eu me pergunto: tenho pares? Eu sabia que em mim há uma mulher que tento esconder ferozmente. Tenho medo que as pessoas identifiquem meus excessos, essa quantidade absurda de pernas e braços que camuflo sob a roupa que visto. O que diriam se soubessem das muitas que vivem em mim e tentam bravamente, numa luta corporal, projetar-se do meu corpo? Tomar-me-iam por uma aberração?”

Clarice Lispector